Receber notificações
  Facebook
  RSS
  Whatsapp

Artigo: Loteamentos Mentais. Por; Rogério Newton

Foto: reprodução IPHAN

 Foto: reprodução IPHAN

Por; Rogério Newton

 

Chega-me de Oeiras a  notícia de mais um loteamento que vai se iniciar naquela cidade. E, como tal, podemos esperar supressão de áreas verdes e uma série de desarmonias urbanísticas. A pessoa que me deu a notícia não escondeu sua preocupação, mirando-se em exemplos anteriores, isto é, em vários loteamentos caça-níqueis instalados naquela cidade, alguns com papel carimbado, outros nem tanto, mas todos, ou quase todos, com o signo do pragmatismo cego.

O noticiante esperava de mim alguma providência. Mas o que posso fazer? Ingressar com uma ação judicial ou representação no Ministério Público? Isso qualquer cidadão pode fazer. Por que ninguém faz?  Dá trabalho, desgasta, sem falar nos mal entendidos. Ninguém quer sair da zona de conforto, mesmo que seja ilusória.

Mas eu não queria abordar o assunto por esse ângulo. Leis e regulamentos são triviais nas sociedades ditas organizadas. Porém, no fundo, o que parece vigorar mesmo são as leis não escritas, aqueles regulamentos obscuros que vão se acumulando nos desvãos da mente subconsciente.

Quando uma pessoa folga no final de semana ou entra de férias, procura lugar aprazível, onde haja belezas naturais: uma praia, um sítio bucólico etc. Às vezes viaja longas distâncias, gasta dinheiro para desfrutar desses locais. Sem descartar os significados real e simbólico de viagens, é possível desfrutar de lugares aconchegantes onde se mora e se vive? Uma cidade pequena pode ter – e muitas tem – sítios naturais, cenários lindos. Oeiras é – ou foi?! – uma cidade assim?

O loteamento em questão está nascendo no sítio outrora chamado Boqueirão. Poucos sabem que tinha esse nome. Dele fazia parte o atual Parque de Lazer Paulinho Menezes. Mas sua área confronta o Morro da Cruz e o Morro da Sociedade. Quando a cidade não havia entrado no processo de expansão que devora áreas verdes, o Boqueirão integrava o mesmo cenário do qual faziam parte os morros já citados, além do Morro do Urubu, e as “quintas exuberantes de verdura”, como  escreveu O. G. Rego de Carvalho, referindo-se às quintas do Mocha

 Como tudo na vida, a cidade é um fenômeno mutante. Ninguém espera que permaneça a mesma, sempre. Por isso, é aceitável que mude e vá se transformando ao longo do tempo. Mas essa transformação, muitas vezes, implica em perdas. No caso de Oeiras, a sua expansão urbana, vida de regra, suprime áreas verdes, que lhe conferiam beleza e graça, substituindo-as por arruamentos mal enjambrados. A aparência bucólica que a cidade possuiu vai se perdendo, em nome do utilitarismo.

  Por que isso acontece? Muitas podem ser as razões. Deixando de lado fatores políticos, econômicos e sociais, a supressão da beleza natural faz parte da comédia humana que sabota a vida. A destruição irrefletida de áreas verdes significa uma resistência contra a harmonia e a beleza, como se estas não fossem possíveis de fazer parte do dia-a-dia da vida urbana. A natureza pode sugerir que o universo e a humanidade possuem tesouros profundos. Quando, no lugar do que foi destruído, não se constrói algo similar em inspiração e beleza, isso significa perdas materiais e imateriais que são importantes para dar sentido à vida individual e coletiva. Mas será que queremos construir algo significativo para as pessoas individualmente e para a coletividade? Ou a nossa função é reproduzir ideias e comportamentos estabelecidos, mesmo que esses sejam realmente muito questionáveis.

Na ecologia urbana de Oeiras, os loteamentos caça-níqueis parecem ser os exemplos mais prosaicos do enorme descompasso entre sociedade e natureza.  Perdoem o trocadilho, mas, para muitos, esse desequilíbrio é muito natural. E assim está  muito bem. Melhor não pensar e refletir sobre isso e deixar as coisas como estão.

Refletindo sobre ecologia urbana, na sua Breve História do Urbanismo,  o historiador da arte espanhol Fernando Chueca Goitia  faz uma afirmação que cai como uma luva em Oeiras dos tempos atuais:

“Eu diria que, para tomar o pulso à cultura de uma nação, o melhor índice é examinar como se desenvolvem as suas cidades. Se o que preside ao desenvolvimento é o caos, o jogo cru dos interesses econômicos, o desprezo pelo passado, o afã da novidade pela novidade, tudo isso é sinal evidente de que, sob as aparências mais ou menos progressivas, existe um grande vazio cultural”.

O vazio cultural, a apatia e o conformismo, a escassez de ideias e condutas sensatas, não desenham um cenário promissor. Se o que predomina é o “jogo cru dos interesses econômicos” e o que preside a expansão urbana de Oeiras é a falta de critérios urbanísticos claros, não é difícil imaginar o cenário e constatar como ele está se transformando: há uma cidade sendo substituída por outra mais pobre em graça e beleza.

No livro O Ponto do Caos, Erwin Laszlo, relembra uma afirmação de Einstein, segundo a qual não podemos resolver os problemas significativos se para isso usamos o mesmo nível de pensamento que presidiu a criação desses problemas.

A conclusão é que, para se encontrar as soluções desejáveis, é preciso sair da esfera mental que presidiu e preside a ocorrência dos problemas e passar a operar num nível mental que permita criar pensamentos e atitudes compatíveis com as soluções. Se queremos resultados diferentes para a ecologia urbana de Oeiras, teremos que usar meios, métodos e (ai!) modos de pensar e de sentir diferentes.

 

* Rogério Newton é ambientalista, escritor e defensor público

Mais de Beco do Mundo