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ALBINO APOLINÁRIO DO ROSÁRIO. Por; Rogério Newton

Nasceu na Rua Brigadeiro Manoel Clementino, em 15 de setembro de 1933.

Albino Apolinário de Sousa. Foto: Emanuel Vital

 Albino Apolinário de Sousa. Foto: Emanuel Vital

Há menos de um ano, o Rosário Negro perdeu Seu Zequinha, aos 87 anos. Na última sexta-feira, perdeu Albino Apolinário de Sousa, aos 88. Quem era ele?

Nasceu na Rua Brigadeiro Manoel Clementino, em 15 de setembro de 1933. “Naquele tempo chamava Rosário. Não havia nem rua aqui”. Era filho de Celecina, natural de um lugar por nome Cajueiro, adiante do Riacho dos Bois. Isso ele próprio afirmou, em entrevista concedida a mim e a Emanuel Vital, seu neto, que me conduziu à sua casa, próxima à igreja N. S. do Rosário, oito anos atrás.

Recebeu-nos na pequena sala de visitas. Fisionomia séria, voz firme. Era um homem rijo para os oitenta anos. Apertou minha mão com força. A nosso pedido, levou-nos para o quintal, onde gravamos a entrevista, ouvindo o canto dos pássaros, o cacarejar das galinhas, o vento sussurrando na folhagem.

O quintal lembrava uma paisagem rural. Não havia muro, e sim uma cerca coberta de melões-de-são-caetano. Um pote enfiado numa estaca e o torno de madeira no chão remetiam à principal profissão que exerceu, cujos frutos propiciaram a criação de treze filhos. “Criei minha família no barro. Nunca pedi nada a ninguém”, disse com indisfarçável orgulho.

Chegou a estudar no Grupo Escolar Armando Burlamarque, onde aprendeu a assinar o nome e “ler o de outras pessoas”. Para ajudar a mãe, começou a trabalhar muito cedo. Depois que saiu de casa e constituiu família grande, botou filhos e filhas para estudar, pois sabia a importância do conhecimento e da educação.

Parte dos utensílios de cerâmica que fazia era transportada em carro ou lombo de jumento, para as feiras de Oeiras e cidades vizinhas. Ele também falou de outra paixão: a de “plantador”, no próprio quintal onde vicejavam bananeiras e numa nesga de terra na beira do Rio Canindé: “A propriedade não é minha, só é meu o benefício”.

Não teve nascimento diferente de outros do seu tempo. A mãe, de origem rural, tornou-se lavadeira no Riacho Mocha. Era uma casa de muitos filhos. “A necessidade campeava dentro da casa de minha mãe”. Por isso, lamenta não ter tido a oportunidade de continuar os estudos primários. Mas não se arrepende de ter feito “de um tudo” na vida: trabalhos pesados, além de ser “fanatizado por roça”, que o faz relembrar os invernos de então, com chuvas regulares. Os mais velhos faziam previsões quase sempre acertadas: “vai chover de tal a tal tempo”. Uma delas se baseava na flor de mandacaru. “Quando tinha muita flor, a gente dizia: vai chover muito”.

Mesmo tendo que trabalhar duro, nunca deixou de ser um observador arguto da cidade. “Estão acabando com o histórico”, afirmou com voz enérgica.

Seu Albino nasceu no Rosário e de lá nunca saiu. Naquela época, Oeiras era uma cidade muito pequena. Descreveu o bairro: “Naquele tempo aqui não tinha rua. Negócio de terra era assim: você chegava, demarcava daqui pra acolá, isso aqui é meu, pronto! - ficava morando ali, fazia sua casa, ali era considerado como seu, você cercava”. Não era ainda o tempo de luz elétrica e serviço de água encanada. As casas de palha do bairro eram em menor número do que as de telha. “De alvenaria não, era feita de taipa: enfiava o barro na parede, botava uma pedra e um bolo de barro. Tinha casa de adobe, dessas poucas. Nesse meio aqui, eu era menino, só tinha a Casa da Pólvora. Essas outras casas aí são novas, novas assim, sessenta anos...”

Moradores do bairro se socorriam do Olho D’água do Quartel, no Riacho Mocha, no desembocar da Rua Pe. Damasceno. Seu Albino falou também de outras fontes existentes ao longo do riacho: “E bem aqui onde hoje é desse menino de Luís Santos, tinha um lugar por nome Bica, tinha outro olho d’água lá. E subindo de cabeça a cima, quase todas essas roças tinham olho d’água”.

Trabalhou “em tudo um quanto”, mas sua principal profissão era o barro. “Eu me fixei mesmo foi na argila, que dava um dinheirinho melhor”. Para isso, ia buscar barro no Outeiro e em outros lugares e levava para casa, onde tinha o torno e com ele fazia cerâmicas para serem usadas nos lares nordestinados: potes, alguidares, panelas, jarros, cabaças... Falou de trabalhadores do barro, como Mané Preto, e de outros que existiram antes dele:

Venâncio do Outeiro, o finado Inácio, João Bacamarte, Raimunda Derruba... “Todos traziam argila de outro lugar, dois quilômetros e meio, do Outeiro, da Primavera, da beira-do-rio, do Coqueiro...”

Como Seu Zequinha, Albino Apolinário era uma memória viva. Sabia muito, por experiências vividas. Podia falar horas sobre os moradores, os costumes, as boas cozinheiras (como Raimunda Cajueiro), a geografia, as festas religiosas e profanas, os elementos de identidade...

Sua vida, sem dúvida alguma, é uma chave de leitura do Rosário Negro e de Oeiras, da qual o bairro é indissociável desde a origem. Sua história é a de um autêntico negro do Rosário.

 

*Rogério Newton é Defensor Público aposentado, escritor, poeta e ambientalista

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