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Esperança ou Aniquilamento?

Os ingênuos ficamos espantados com a mais recente agressão ambiental contra o Riacho Mocha. Trata-se do desmatamento de cerca de três hectares, que vem ocorrendo há uma ou duas semanas, para construção de um loteamento na margem esquerda daquele judiado curso d’água, há poucos metros do antigo Olho Dágua do Quartel. Não era para causar perplexidade a ninguém. Por quê? Via de regra, as intervenções feitas no riacho ou em suas margens implicam em prejuízo ao seu ecossistema.

 

 

Isso não é de hoje. Historicamente, as obras feitas nas margens ou dentro do próprio leito, sejam elas públicas ou privadas, trazem sempre a marca da destruição e da falta de conciliação entre o que a natureza nos dá e o que o homem constrói. Nunca conseguimos a mínima convivência razoável entre natureza e civilização. Na verdade, pouquíssimos esforços foram ou são feitos para que as intervenções humanas não signifiquem necessariamente destruição do ambiente natural.

 

Querem exemplos? O açude Soizão, construído na área das nascentes, imprópria para represamento de águas. A feia e deprimente galeria de concreto, entre a Ponte Zacarias de Goes e a ponte da Várzea. O novo mercado público, construído em área de proteção legal. Esses são exemplos de atos comissivos do governo municipal, em evidente descompasso com a proteção do riacho. Com eles convive a absoluta falta de projetos ambientais, tanto públicos como privados, para conservação, recuperação das áreas degradadas, criação de parque ambiental, áreas de lazer etc.

 

 

A convivência com mínimo de respeito e consideração pelo curso dágua em cujas margens a cidade nasceu sempre foi reivindicação da sociedade. Desde o ano de 1971, quando o poeta Gaudêncio Carvalho e o músico Possidônio Queiroz bateram às portas do prefeito, a sociedade, bem ou mal, nunca deixou de fazer alertas e reivindicações. O engenheiro agrônomo Luiz Gonzaga Carneiro foi outro cidadão oeirense que fez estudos, reflexões e sugestões fundamentadas para conservação do riacho. Ficaram na história os seminários e encontros feitos por estudantes na década de 80, em que se demonstrou o desacerto das agressões ambientais e a necessidade de atitudes do poder público e dos proprietários de imóveis para a conservação do riacho.

 

Além de ter sido e ainda ser objeto de discussão, o Riacho Mocha inspirou a produção de poemas, composições musicais, exposições de fotografias, crônicas, artigos, filmes, numa demonstração de que o riacho faz parte importante do imaginário coletivo e possui força simbólica e telúrica. O mais importante, porém, é que o riacho é fonte de vida.

 

 

Lamentavelmente, durante quase meio século, o poder público municipal se calou ou respondeu com o mais absoluto desprezo a todas as reflexões sinceras e sensatas acerca da conservação do Mocha. Ainda hoje há um divórcio, não diria intransponível, entre o poder público e a sociedade em matéria ambiental. Nunca houve e ainda não há política pública de meio ambiente em Oeiras.

 

A consequência principal desse quadro lamentável é que todos saem perdendo, inclusive os que ganham com a febre de loteamentos irregulares em Oeiras, onde a propriedade imobiliária urbana se transformou em mercadoria de um balcão de negócios em que prevalece a cobiça e o desprezo às regras sensatas de urbanismo e meio ambiente.

 

 

No caso recente do loteamento que recebeu o nome de Residencial Vila da Mocha, a história, infelizmente, se repete. Poderíamos invocar aqui as leis protetivas. Porém, achamos mais importantes do que elas a consciência e o amor pelas árvores, pela vida e pela natureza. Se houver isso, todas as feridas serão curadas. Os loteadores podem passar para a história, não como homens insensíveis que cultivaram a fealdade e o deserto, mas como seres humanos que fizeram a diferença e tiveram a honradez e a coragem de fazerem algo nobre, ética e ambientalmente falando, para os contemporâneos e as futuras gerações.

 

É difícil, a ferida sangra, mas termino esta crônica com esperança. Por isso, cito Shrii Shrii Anandamurti:

“Ó ser humano, elabore a estrutura social levando em consideração as necessidades do homem. Não tente fazer nada por interesses pequenos, individuais ou pessoais, pois o que quer que você faça com uma perspectiva limitada, destituída de sentimentos cósmicos, não pode perdurar. O toque cruel do tempo aniquilará tais coisas e as levará a um esquecimento que ninguém pode entender”.

Rogério Newton

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