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Clientelismo vacinal. Por; Fonseca Neto

 

Clientelismo vacinal

 

Atraso reiterado. Vidas roubadas sem freio como regra imutável. Os atoleiros da esperteza reduzem brasileiros às tardanças da rabeira civilizatória.

A distribuição desigual dos prejuízos pandêmicos agrava a desigualdade social que é sua manifestação mais vil, na secular ordem social brasílica. Há quem fale em “nova normalidade” no sentido de uma convivência humana mais solidária, densa de compaixão. Tolice, vã.

Já se nota, decorrido um ano da exasperação, que não é assim que funciona o mundo. E parece pior no Brasil, interditado dos gozos mais amplos do bônus a que nos acostumamos chamar com o vocábulo generoso de “civilização”.

Ansiada por bilhões de pessoas que querem viver saudáveis e por cientistas devotados quanto aplicados, a vacina anti-corona chega ao Brasil, sofregamente, e de imediato se torna objeto manipulado pelo clientelismo, velha mania e jeito de fazer durar as misérias pátrias, tantas. Uma miséria – entre tantas de suas espécies – que este país nunca dela quis se ver livre: a manipulação da boa-fé alheia em proveito da permanência dos grilhões senhoriais.

A vacina, um artefato da melhor ciência e tecnologia contemporâneas, imediatamente  se tornou insumo para fecundar o clientelismo, elemento básico da receita que mantém muito ativa essa doença que impede, por exemplo, no Brasil, a realização democrática como projeto coletivo.

A vacina contra Covid, motivo de deboche de autoridades públicas relevantes que dizem ser a pandemia surto de “gripezinha”, que retardam sua aquisição e aplicação, usam o próprio retardo para criar o ambiente propício da manipulação clientelista das doses.

Notícias veiculadas, em Teresina, e no restante do Estado, dizem da seleção de quem seria “privilegiado” com as doses vacínicas escassas. “Privilegiado”, quer dizer, na pior acepção, o recebedor imerecido de favorecimento de pessoas e grupos. Altamente casuística, por exemplo, a reconceitualização de “trabalhador de saúde da linha de frente do combate à pandemia”, para “pessoal da saúde”, simplesmente. Um logro.  

O grande grupo de risco dos idosos, inclusive dos muito idosos, co-mórbidos pelas leis da natureza, foram passados para as garras da incerteza: “Matheus, primeiro os teus”! Esse o caso do conglomerado/corporações da “área de saúde”. E em prefeituras mais interioranas, a desfaçatez da vacina aos mais chegado da família prefeitural.

Com um certo tom de indignação, nos primeiros dias, veículos informativos informaram sobre o aproveitamento clientelista-partidário para fazer clientes eleitorais. Chegou a falar-se de ação de promotores em defesa da sociedade. Quase não se fala mais. Clientelismo: esta doença social se auto imuniza. Uma manipulação lava a outra no logro dos direitos coletivos.

Enquanto isso, já com a novidade da vacina trazendo algum alento, os efeitos trágicos da pandemia continuam a se impor. Hoje se disse numa TV, como notícia solta e fria – para não se preste atenção –, que a perda de renda média dos dez por cento mais ricos caiu três por cento, desde o início da pandemia, enquanto na dos quarenta por cento mais pobres a perda eleva-se a trinta e dois por cento.

Por esse dado, dá para se saber, sobre quem mais recaem as perdas da crise.  Claro que isso é uma iniquidade.

Zona de malversações e malsinações de uma espécie de predadores da humanidade e de sua casa natural, aqui elas consolidaram um núcleo espoliador das gentes e de seu ambiente nativo, para os ganhos e arreganhos dos acúmulos gananciosos de longe. Traças vorazes a comer o tecido social costurado sobre o corpo e alma, moídos, de milhões de humanos, logo descartados.    

O Brasil empacou, no revés civilizatório, por apurado cálculo de seus “homens de grosso trato”, ontem dos tratos mercantis e hoje dos tratos de mera apropriação financeira. País manietado por esses régulos imperialistas das mais cruéis colonizações.

Homens? Régulos? No popular do meu sertão, “paus mandados”: facção que aqui dentro impõe a continuidade da pilhagem do Brasil. Facção que domina pelo dito clientelismo, jeito meio manso de mandar, gestando a “sujeição agradecida”... E pela imposição da morte, pura e tirânica. A pandemia reavivou tais insídias, que, qual câncer, carcomem, nos ensaios, o vigor do corpo social da irrealizada nação brasileira.

 

* Fonseca Neto professor, articulista, advogado.

Fonte: piauihoje

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