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Retrato patrimonial. Por; Carlos Rubem

Foto: reprodução

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A geratriz do Piauí — Oeiras — muito sofreu, moral e fisicamente, com a mudança da capital para Teresina, em 1852.

Não apenas pela transferência da sede do governo em si, mas, em relevo, pelo esvaziamento de suas instituições, ao contrário do que ocorreu noutras unidades federativas.

Houve verdadeiro trauma coletivo. Declínio econômico. Baixa autoestima. Dizem até que comprometeu a sanidade mental da população dantanho.

O certo é que o Piauí tem uma dívida irresgatável para com Oeiras. Merece ser recompensada  — espera-se — do imensurável prejuízo a que foi submetida. Há anos, pleiteia a instalação de um Campus da Universidade Federal do Piauí - UFPI, justo reclamo que nunca lhe foi concedido e tantos outros frustrados avanços.

Daqui arrancaram o Liceu Piauiense, o Estabelecimento de Educandos e Artífices, para citar apenas estes dois equipamentos públicos.

O “staff” governamental, famílias inteiras deixaram a Velhacap rumo à Chapada do Corisco. Abateu sobre todos um sentimento de terra-arrasada.

A partir daquele ano, a cidade entrou em decadência refletida no desmoronamento da sua arquitetura civis.

Monumentais prédios ruíram-se, a exemplo da Cadeia Pública (1839) e do Hospital de Caridade (1849). Caolha política administrativa. Relegaram-na ao abandono. Seu patrimônio imaterial manteve-se hígido, porém. Se bem que os teresinenses — ante massiva divulgação — tentam apropriar-se de algumas lendas da Capital da Fé: Zabelê e Maria-não-pode e por aí vai.

Ao influxo da Revolução de 30, a cidadela em comento experimentou um surto desenvolvimentista, com a criação da Usina Elétrica, do Cine Teatro Oeiras, construção de prédios públicos, pavimentação poliédrica e embelezamento de diversos logradouros.

Convém ressaltar que, em 1939/1940, o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN), hoje Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), promoveu o tombamento isolado de três bens, a saber: Igreja de N. Sra. da Vitória, Sobrado João Nepomuceno e Ponte Grande, sobre o legendário Riacho Mocha.

Lamentável afirmar que, ao longo dos tempos, a rigor, o nosso município nunca foi instrumentalizado com um órgão que pudesse impulsionar uma consequente política conservacionista.

O Instituto Histórico de Oeiras - IHO, instituição de direito privado, criado em 1972, muito contribuiu para espargir conhecimentos protecionistas do patrimônio cultural na antiga Vila do Mocha.

Levantou inúmeras bandeiras — obtendo resultados tangíveis — na defesa de valores caros à nossa identidade sertaneja. A restauração da Casa da Pólvora foi uma ideia nascida no seio mencionado Sodalício.

Muita cousa, porém, foi tragada pela insensibilidade de gananciosos proprietários de imóveis; patente negligência do setor público; fragilidade legislativa; omissão e passividade da sociedade civil.

Temos, ainda, muitas referências patrimoniais, mas acredito que 70% da nossa paisagem urbana descaracterizou-se tendo em vista adoção de medidas modernosas, quase sempre, de mal gosto.

Claro que ninguém, de sã consciência, pretende fossilizar, mumificar, a ambiência de um burgo de estilo colonial.

Não obstante, as intervenções urbanísticas podem e devem ser adotadas medidas compatíveis às novas exigências hodiernas.

Tudo há de ser concebido em prestígio às artes, à ciência e à legislação. Chega de falsos arranjos, tropelias praticadas por conhecidas figuras recalcitrantes.

Em 1976, Oeiras foi inserida no Programa Integrado de Reconstrução das Cidades Históricas do Nordeste, subordinado à Secretaria de Planejamento da Presidência da República, que resultou na elaboração do Plano de Preservação Ambiental de Oeiras.

Após levantamento de dados históricos, identificaram-se suas características principais, produziu-se análise do espaço urbano, além de se fazerem proposições e recomendações normativas gerais.

Precioso documento técnico foi relegado ao esquecimento pelas sucessivas gestões públicas, em todas as esferas de poder.

Não houve divulgação e discursão acadêmica e de espécie nenhuma do seu teor. Verdadeiro crime de lesa-pátria.

No 2° Volume daquele sério estudo, previa, inclusive, áreas “non aedificandi” às margens do amigo riacho Mocha, tão aviltado ao longo do tempo.

A sua mata ciliar foi dizimada, levantaram-se construções às margens do nosso Marne, na evocação poética de Nogueira Tapety, em 1914.

Como se não bastasse, foi assentado no seu leito um canal de concreto, pelo município (1986), entre a Ponte Grande (erigida no provincial governo Zacarias de Góis e Vasconcelos, em 1856), e a Ponte da Várzea, apesar de anteriores apelos de estudantes engajados em campanhas ambientalistas.

O aludido volume contém significativo anexo fotográfico, onde vemos parcial paisagem amada urbe. Constata-se que diversas casas que já ruíram-se, miseravelmente.

Nos anos oitenta, o Estado do Piauí houve por bem fomentar o tombamento individual da Igreja N. Sra. do Rosário, do Sobrado Major Selemérico e da Casa do Visconde da Paraíba, Pousada do Cônego, Sobrado dos Ferraz. Empós, tal expediente verificou-se, também, em relação à Casa de Fazenda Canela (2009).

Na seguinte e demais décadas, ações judiciais foram intentadas pelo Ministério Público do Estado do Piauí visando a restauração de alguns bens imóveis, obtendo parciais êxitos. De notar, que a(o)s picaretas agem mais rápido.

No limiar do fluente milênio, a cidade foi contemplada a participar do Programa Monumenta, financiado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento — BID, encetado pelo Governo Federal em parceria com o Governo Estadual, figurando o Município como parte convenente.

Em boa hora, foram restaurados a Igreja de N. Sra. da Vitória — primeiro templo regular do Piauí  —, o Sobrado João Nepomuceno, prédio que abriga o Museu de Arte Sacra de Oeiras — MASO —, o Café Oeiras, a Ponte Grande. E remoção da lama asfáltica de parte de seu centro histórico. Infelizmente, por falha comunicacional, houve pouca adesão de particulares objetivando a restauração de seus respectivos bens culturais.

Nessa ocasião, o Mercado Público José Lopes da Silva era para ter sido restaurado, mas um erro de perspectiva do gestor municipal da época, que, sem motivos plausíveis, convincentes, sustou tal iniciativa. Péssimo exemplo. Ainda hoje, citado equipamento encontra-se fechado, sofre ruinaria.

Em 2013, houve a tombamento do Conjunto Histórico-Paisagístico, precedido de um Inventário dos bens culturais da cidade, em 1997, sob os auspícios do IPHAN.

Embora retardatário, o referido ato administrativo, em nível federal, representou um marco divisor na proteção do nosso patrimônio edificado.

Para melhor atendimento às demandas patrimoniais — orientação e fiscalização —, Oeiras se ressente da ausência de um escritório local do IPHAN, órgão deficitário referente a quantidade de servidores especializados nesta específica e importante área de acautelamento do nosso traço nordestinado que muito nos distingue no cenário nacional.

Exceto valorosa minoria, a população adulta é refratária à causa em apreço. Não obstante, confio nas novas gerações, as quais, tanto na rede privada quanto na pública de ensino, lhes são ministradas, de forma transversal, aulas acerca de educação patrimonial, com direito a visitas de determinados pontos turísticos.

Bons resultados já são sentidos!

 

*Carlos Rubem é Promotor de Justiça aposentado em Oeiras

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