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Loteamentos irregulares prejudicam coletividade

Foto, Rogerio Newton

 Foto, Rogerio Newton

Um problema muito sério não está recebendo a devida atenção da população de Oeiras e das autoridades e agentes públicos municipais. Trata-se do uso do solo urbano. Esse assunto é importante porque o mau uso do solo urbano causa reflexos nocivos à qualidade de vida dos habitantes, considerados não só individualmente, mas também como coletividade. Muitos pensam que podem usar a propriedade imobiliária privada do jeito que querem, mas não é assim. É preciso observar as regras definidas pelo bom senso e pelas leis.

 

Há uma verdadeira febre de loteamentos em Oeiras. Alimentados pela sede em ganhar dinheiro, quase todos são feitos de forma ilegal, sem respeitar as regras mínimas de urbanismo, meio ambiente e de parcelamento do solo. A ilegalidade dos loteamentos afeta também os direitos do consumidor, que, muitas vezes sem refletir, adquire um lote ou mais sem regularização legal. Na maioria dos casos, o consumidor só percebe que há problemas jurídicos na hora em que tenta registrar o lote em seu nome no cartório, e não consegue, por conta das irregularidades do loteamento.

 

O tema ultrapassa o mero interesse individual, seja do loteador, que almeja lucro fácil com seu empreendimento, seja do adquirente do lote, que quer construir sua casa ou apenas investir. O interesse é coletivo porque o loteamento destina-se a uma pluralidade de pessoas. Daí todo cuidado é pouco, pois o loteamento deve garantir os direitos coletivos aos que vão habitar a mesma área.

 

Fazer um loteamento não é tarefa simples. As leis exigem muitos requisitos, justamente para que o empreendimento não seja prejudicial à coletividade. De uma forma bem genérica, a primeira regra básica é entender que todos tem direito ao meio ambiente saudável, como prevê a Constituição. Isso quer dizer, por exemplo, que o loteamento não pode ser sinônimo de destruição de áreas verdes protegidas por lei, como as margens de rios e as áreas de encosta e outras áreas não edificáveis por sua própria natureza. A falta de estrutura básica adequada é outro item desrespeitado e causa de muitos transtornos, principalmente no que tange ao escoamento das águas, fator agravado pela falta de rede de esgotos nos loteamentos que surgem. Isso contribui para que muitos loteamentos, depois de construídas as casas, se transformem em lugares insalubres com esgotos a céu aberto. Os loteamentos não podem atender somente ao jogo cru de interesses individuais relacionados com a expansão urbana.

 

Um dos aspectos mais negligenciados são as áreas comunitárias, também chamadas institucionais, isto é, aquelas necessárias para equipamentos públicos de educação, cultura, saúde, lazer e similares, como praças, postos de saúde, parques ambientais, escolas etc. Os loteadores sabem que os espaços comunitários são obrigatórios, mas burlam a lei, omitindo tais áreas ou destinando para elas as piores porções do imóvel. Os cidadãos conscientes não deviam adquirir unidades em loteamentos desse tipo. Todos saem prejudicados, individual e coletivamente.

 

A participação do Poder Público é fundamental porque todo loteamento deve ter a aprovação prévia da Prefeitura, que, inclusive, tem o dever de fiscalizar e não permitir loteamentos ilegais. Muitos loteadores colocam a carroça diante dos bois, pois primeiro arrasam a terra, destruindo as árvores e abrindo as vias, sem critérios aceitáveis. Em todo loteamento é obrigado o projeto conter as especificações com as reservas de áreas comunitárias, áreas verdes, áreas não edificáveis e as áreas destinadas às coletas de águas pluviais. O loteamento não é assunto exclusivamente privado. O projeto deve indicar objetivamente as áreas que passarão para o domínio público. Tudo isso está previsto na Lei de Parcelamento do Solo Urbano.

 

  Infelizmente, pouco disso é observado em Oeiras, onde a grande maioria dos loteamentos significa desrespeito às regras legais básicas sobre a matéria. O pior é o prejuízo que tais empreendimentos trazem à coletividade, sobretudo porque as áreas comunitárias, que potencialmente seriam destinadas a praças, postos de saúde, escolas, quadras de esportes, parques ambientais ou de lazer, são suprimidas, além das áreas protegidas pelas leis ambientais, como as margens dos riachos Mocha e Pouca Vergonha e os morros e seus entornos. A supressão de áreas verdes traz implicações quanto ao clima. Menos proteção arbórea significa mais calor. Há também o aspecto urbanístico. Áreas verdes conferem beleza e graça à cidade e se constituem em lugares agradáveis.

 

Outro ponto importante a ser lembrado são as leis locais, que definem as especificidades não contempladas nas leis federais. Por causa das peculiaridades de Oeiras, o art. 159 da Lei Orgânica do Município estabelece que as margens do Riacho Mocha e os morros que circundam a cidade são áreas prioritárias de preservação. Esse artigo, porém, é sistematicamente desobedecido, não só por proprietários privados, mas também pelo poder público.

 

Recentemente, a Câmara de Vereadores de Oeiras aprovou a Lei nº 1.764, de 14/11/2013, que dispõe sobre os loteamentos urbanos. Trata-se de uma lei bastante precária, que destina uma porção irrisória dos loteamentos para servirem de áreas comunitárias, em evidente prejuízo para a população. Em outro artigo, a referida lei afirma que as chácaras “terão tratamento especial pela administração”.  Por que isso? Por que as chácaras são especiais? Se os vereadores estiverem pensando em defender a coletividade devem promover a imediata revisão da lei, ou elaboração de nova lei em substituição.

 

Infelizmente, o mais recente loteamento de Oeiras, intitulado pomposamente Residencial Vila da Mocha, também deixa a desejar em matéria de observância às regras legais. Por exemplo, não obedece os trinta metros de faixa marginal do Riacho Mocha, em desconformidade com o Código Florestal, que garante essa proteção para os cursos dágua com menos de dez metros de largura.

 

Outra ilegalidade é a ausência de licença do órgão ambiental competente, uma vez que a margem do riacho é considerada prioritária de conservação pela lei orgânica local e é área protegida pelo Código Florestal. O proprietário do imóvel deveria reflorestá-la. É uma tristeza ver as “quintas exuberantes de verdura”, como cantou o escritor O. G. Rego de Carvalho, serem transformadas em paisagens arruinadas.

 

Por causa de ilegalidades gritantes, um loteamento foi embargado em Oeiras pela Secretaria Estadual de Meio Ambiente, há dois anos. Trata-se do loteamento do Morro da Cruz. Isso porque ambientalistas locais requereram providências ao Ministério Público. Não está descartada a hipótese de que o mesmo venha a acontecer em relação a outros loteamentos irregulares.

 

A alternativa mais honrosa para todos os envolvidos na questão, isto é, loteadores, autoridades municipais, coletividade e consumidores é fazerem cada um a sua parte de acordo com a lei e o bom senso. A Prefeitura deveria ter uma atitude mais criteriosa e enérgica e não permitir loteamentos irregulares e prejudiciais à coletividade. Por seu turno, os consumidores não deveriam adquirir porções de loteamentos sem antes verificarem se os mesmos foram autorizados por decreto do prefeito e se foi feito registro do loteamento no cartório imobiliário. Adquirir lotes de empreendimentos nessa situação e que não destinam áreas comunitárias e não preservam áreas verdes tem o mesmo efeito de um tiro pela culatra. As áreas comunitárias certamente farão falta para a existência de espaços coletivos, como praças, escolas, postos de saúde, parques ambientais, de lazer e similares. É o interesse coletivo que está em jogo, superior aos interesses privados. Ou não?

 

Rogerio Newton

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