Receber notificações
  Facebook
  RSS
  Whatsapp

Contribuição do Piauí nas Lutas da Independência

Foto: Divulgação

 Foto: Divulgação

Possidônio Nunes de Queiroz

(Conferência proferida no auditório da Escola Normal “Presidente Castelo Branco” às 20 horas do dia 24 de setembro de 1972.)

Temos ainda o espírito edificado pelo espetáculo grandioso das magníficas sessões cívicas realizadas há poucos dias, durante a Semana da Pátria, neste majestoso edifício da Escola Normal.

Sentimos um doce embevecimento de intelecto, como se estivéramos ainda a ouvir, a saborear, as belas, judiciosas palestras aqui proferidas, as quais, não somente encantaram, como abriram ao entendimento, largo motivo para a meditação e o aprendizado.

Foram, não há negar, dias felizes para a nossa Oeiras, nos quais, devota e sinceramente, recebia todas as noites, debruçada sobre o altar da Pátria, o sacramento purificador, das idéias cívicas de quem se pregava.

Dias em que a alma da juventude se abriu em festas para a entoação dos hinos epiniciais e o coração da infância se fez diadema para coroar a majestosa fronte do nosso amado Brasil.

Dias consagrados à ardente comemoração do Sesquicentenário de nossa Independência, neste ano, todo a ele dedicado.

Dias em que, mais que noutros, constatamos o milagre, porventura o maior, senão dos maiores com que a Providência dotou os homens – só não percebível, estonteadoramente, porque se dilui na rotina do cotidiano – dias em que, repetimos, constatamos todos, o milagre soberano da palavra, esse instrumento poderoso, que possui os acentos mágicos de um estradivarius encantado.

Esse instrumento de comunicação entre as criaturas, e que, – perdoem-nos a expressão, mas, deixem-nos proferi-la, – foi uma das maiores criações do Criador.

Esse instrumento, que na boca do Missionário, serve para exortar, evangelizar, humanizar, despertando nos corações, a flor espiritual dos mais nobres sentimentos, – do mandamento que ordena amar ao próximo como a nós mesmos, que nos proíbe de murmurar, maldizer, intrigar, bisbilhotar, macular a reputação alheia, enredar, sabatinando cousas pequenas, afuroando mal entendidos.

Esse instrumento, que nos lábios do Professor, é facho que ilumina inteligência, é caldo de cultura do aprendizado, é meio de manter-se acesa a lâmpada do conhecimento, transmitido diuturna e pacientemente, de geração a geração; é cartilha de educação para a vida, é escola de civismo, de criação dos povos generosos e fortes.

Na boca do Chefe Militar, do Guerreiro, é voz de comando, é força que transforma e eletriza o homem, impelindo-o para alevantados atos de heroísmo, para a morte, para a glória.

Na boca dos Heróis, transmuda o curso das cousas, desvia o rumo da história, cria povos e nações, dá ao mundo, no Grito do Ipiranga, na voz de Pedro I, um Brasil Independente, – pátria onde impera altiva a Liberdade, – “País do Futuro”.

Na boca do Poeta, é encantamento, são os “LUSÍADAS” é lirismo, é suavidade musical, que arrebata ao mundo do sonho e da fantasia; é voz mussitante, que desembravece, amansa, transforma seres em criaturas.

Nos lábios da Mãe, são corações que falam, cordas que soluçam frases de amor e de ternura; é um mundo trabalhando pelo equilíbrio, pela regeneração do gênero humano.

Nos da criancinha, – alma egressa do céu, descida do empíreo para o sofrimento aqui na Terra -, é sorriso que dá vida, anima e consola; é motivo de alegria para as almas tristes; é luz para os espíritos enoitados; é nesga de paraíso para os pais; é orquestração maravilhosa, com que na pronunciação reiterada, tatibitate dos primeiros fonemas, – exercício preparatório, tatear necessário ao encanto da palavra -, talvez lembre o gênio imortal de Camões, plasmando a nossa língua, aformosentando-a, trabalhando, suando, sofrendo, dando ao mundo essa Bíblia admirável da Raça Portuguesa – os “LUSÍADAS” -, cujo quarto centenário, a Humanidade embevecida agora festeja.

Bem, meus Senhores e Exmas. Senhoras!

Ressoam-nos ainda, aos ouvidos, a palavra autorizada do Dr. José Expedito, médico e poeta, conferencista e homem de imprensa, abrindo magistralmente, a séria de palestra. A palavra judiciosa do Padre David Ângelo Leal, conhecido educador oeirense. Os ensinamentos brilhantes das Professoras: Rita Campos e Iracema Sá, finos ornamentos de nossa Sociedade e de nossa cultura pedagógica. A oração vibrante do Mons. Leopoldo Portela, eloqüente e erudita. Os cânticos, os recitativos, as outras orações que se pronunciaram. As representações dos vários estabelecimentos de ensino. Por fim, o encerramento pomposo, no dia oito, presidido por S. Exa. Revma., o Sr. Dom Edilberto Dinkelborg, nosso Bispo, e a contribuição intelectual dos Professores ilustres Vera Magalhães e Augusto Silva de Carvalho, da Universidade Federal de Goiais, os quais vieram gentilmente de Picos, onde servem no Campus Avançado, para comungarem conosco da grande, da alvoroçada alegria, com que coroávamos aquela semana, dentro na qual, elevamos nossas vozes para o culto dos nossos heróis, para a glorificação do Brasil.

Meus Senhores!
Exmas. Senhoras!

O Instituto Histórico de Oeiras realiza hoje, a sua terceira sessão solene, comemorativa do ano do Sesquicentenário. E para dizer algo, destacou um dos seus secretários, o humilde orador que ocupa a tribuna, o qual, deletreando, abordará o tema: CONTRIBUIÇÃO DO PIAUÍ NAS LUTAS DA INDEPENDÊNCIA.

Falar do papel do Piauí, da sua participação nas lutas do Movimento Separatista, é falar de Oeiras, a gloriosa cidade que, àquele tempo, comandava galhardamente, os destinos da Terra de Mafrense.

E não se pode falar de Oeiras, das agitações políticas desenroladas aqui, no primeiro quartel do século passado, sem evocar a figura do Brigadeiro Manuel de Sousa Martins, homem poderoso, de grande prestígio, e que se tornou a figura central da Independência, no Piauí.

Esquecer o Visconde da Parnaíba, a sua ação decisiva, necessária, desenvolvida na legendária Oeiras, naqueles momentos de lutas e incertezas; seria admitir que Thiers ao escrever sobre a França, tivesse omitido a figura de Napoleão Bonaparte, ou que Rocha Pombo, na sua História do Brasil, não tivesse feito menção ao Grito do Ipiranga.

Sabe-se que o Piauí, devido à sua posição geográfica, andou sempre, nos tempos que se foram, pouco bem informado do que se passava distante. Até de fatos passados no seu território, às vezes, somente com grande demora, chegava o conhecimento à Velhacap.

Não quer isso significar que fossem os piauienses avessos ao que sucedia aqui e ali, ou que se considerassem inimigos de novidades; não. Estado central, sem vias de comunicações, sem telégrafo, (que este só viria anos mais tarde) sem imprensa (reportamo-nos ao tempo da Independência), não era muito que vivesse um pouco à margem dos acontecimentos, cujas notícias só chegavam tarde.

É possível, por isso, que a Velha Metrópole do Piauí, não andasse muito bem informada do que se passava no Rio de Janeiro depois da retirada de D. João VI para Portugal.

Talvez não conhecesse a Velhacap minuciosamente, o que ocorria contra o Príncipe D. Pedro, a pressão tremenda que sobre ele pesava; o desejo que se tinha de arrancá-lo aos brasileiros, por todos os meios, mesmo compulsoriamente.

No dia 11 de janeiro de 1822, os acontecimentos assumiram, no Rio, aspecto de uma guerra não declarada. O General Jorge de Avilez, comandante das armas portuguesas determinou prender naquele dia, à noite, a D. Pedro, quando este saísse do teatro e embarcá-lo à força para Lisboa. Os brasileiros, que andavam de sobreaviso, pressentiram que algo de extraordinário se estava passando. E tropas nativas, fiéis a D. Pedro, fizeram abortar o plano sinistro.

Notável historiador patrício, descrevendo o delírio daqueles dias, e falando sobre aquele dia, isto é, o 11 de janeiro de 1822, descreve com vívidas as cores, o nervosismo reinante, o entusiasmo reinante, o amazonas de sentimento patriótico reinante na Capital do Reino Unido, cujo povo estava disposto a sacrifícios supremos na defesa do Príncipe. Ouçamo-lo:

“Na cidade e subúrbios operou-se um movimento extraordinário como de rebate geral: homens válidos de toda as classes em grande afã corriam aos quartéis do campo, armados uns, outros a tomar armamento, disputando o direito de ir para a vanguarda no exército do Príncipe. Há testemunho irrecusável de que “naquela noite de 11 de janeiro, mais de seis mil pessoas de todas as classes pegaram em armas…” (1).

O comandante português andava cheio de ódio contra o Príncipe e contra os Brasileiros. Pudesse, e teria esmagado a tudo e a todos, punindo escarmentadamente, ao Príncipe, pelo delito de desobediência, e ao Povo, pelo crime de querer a Pátria livre do jugo estranho. Pudesse, e aquele “FICO”, solenemente proferido, dois dias antes, pelo Príncipe estouvado, cabeçudo, passaria a ser um fico de brincadeira, sem nenhuma significação histórica.

Efetivamente, dois dias antes, a 9 de janeiro, se decidira D. Pedro, a desobedecer à Corte e a ficar conosco. D. Pedro não pode resistir ao pedido que lhe fizeram naquele dia, através de brilhante representação, que constituiu espetáculo inédito no Rio de Janeiro. Transportemo-nos, mentalmente, àquele momento histórico e ouçamos como o grande escritor ROCHA POMBO, narra o acontecimento:

“Pela manhã do dia 9, reuniram-se o senado da Câmara, no consistório da Igreja do Rosário, para onde haviam afluído a maior parte das pessoas consideradas da terra, e muito povo, devendo notar-se que se achavam presentes ali os oficiais, tanto da passada vereança como da que tinha sido no dia 1º empossada. Às 11 horas desceu o senado, com seu presidente e pomposo concurso de notáveis que o cercavam, no meio de imensa multidão dir-se-ia maravilhada aquela cerimônia com que o povo brasileiro ia afirmar a sua capacidade de soberania e o seu intento de fazer-se nação. O préstimo era numeroso; todos em grande gala, cabeça descoberta, em duas alas, indo à frente alçado o estandarte da Câmara foram descendo pela rua do Ouvidor, a passo lento… Dizem com justa razão os testemunhos do tempo, e bem os sentimos hoje nos outros, que foi aquela a mais faustosa e brilhante cena da nossa história”. (2)

E, linhas adiante, continua o autorizado escritor:

“Tendo ouvido quanto lhe diziam, o Príncipe, “ao lado do trono”, dirigindo-se ao presidente do senado, proferiu estas palavras: COMO É PARA BEM DE TODOS E FELICIDADE GERAL DA NAÇÃO, ESTOU PRONTO; DIGA AO POVO QUE FICO”. (3)

E logo depois, da secada do palácio, quando se amainou um pouco, o delírio das aclamações:

“Agora só tenho a recomendar-vos – união e tranqüilidade”. (4).

Dias depois, a 16 de janeiro, diria D. Pedro:

“Vós tendes confiança em mim; eu em vós: seremos felizes… Conto com a vossa honra… Contai com a minha firmeza” (5).

Isto proclamava D. Pedro, aos brasileiros, no dia 16 de janeiro. De fato, a hora precisava, estava o Príncipe Regente firme ao nosso lado. A nossa causa, fê-la a sua causa, e a nossa Pátria, adotou por sua, com todo o ardor do seu coração impetuoso e venusino.

Tínhamos inteiramente por nós, aquela alma inquieta e nervosa. Aquele moço, amigo de criança, espírito aberto, alegre, por vezes brincalhão; aquele homem que da calma absoluta, era capaz de passar ao absoluto extremo da ira, por um descontrolamento momentaneamente irrefreável, se pusera nas hostes brasílicas, e ia se esquecendo das ordens de ultramar, irritando as Cortes, marchando aceleradamente, para o advento separatista.

E a separação se fez. Um brando hercúleo sacudiu o Gigante Sul Americano. O Brasil havia sido declarado livre das peias portuguesas. Um frêmito universal sacode a alma brasileira. Por toda parte o entusiasmo, a loucura cívica, o regozijo maior.

A alma brasileira é una, indivisível. Os sentimentos nobres que tangenciam o espírito do Povo, aquilo que vem em real proveito da honra e da grandeza da terra comum, encontra eco em todos os corações, e em cada um tem um adepto tranqüilo, fervoroso, leal. Daí porque as idéias malsãs, que nos querem impingir à força, vindas de fora, de outros povos, de outras filosofias, de outras religiões, se encontram guarida em alguns espíritos menos brasileiros; têm, a lhes barrar a caminhada, a unidade do nosso Povo, o seu culto às suas tradições e a consciência do seu destino. E essas idéias alienígenas forcejam mas caem, fazem-se aríetes mas, no choque da luta contra a muralha do nosso culto à Terra de Santa Cruz, se desgastam, quebram, esboroam, fragmentam.

O amor à causa da liberdade, que sacudia os habitantes do Sul e de algumas capitais do Nordeste; por isso, por esse forte sentimento que vincula a alma de nossa gente, por essa unidade da alma nacional; se espalhou depressa por toda parte.

O Piauí recolheu alvoroçado o seu eco. E se inflamou, e se alistou generoso, nas falanges dos cruzados da liberdade.

Em Parnaíba, o Juiz Dr. João Cândido de Deus e Silva e o Cel. Simplício Dias da Silva, que já pregavam as idéias emancipacionistas, tanto que tiveram conhecimento do ato corajoso de D. Pedro, aliciam o povo, sacodem a vila, e arvoram o estandarte da Independência. Estávamos a 19 de outubro de 1822. Era o começo da caminhada tormentosa para a glória, iniciada no litoral e que seria encerrada no coração da Província, em Oeiras, na pacata Capital de nossa terra.

Portugal já pressentira que o Gigante não se encontrava mais adormecido; que já se espreguiçava e distendia os músculos, aprestando-se para a luta. Por isso, providências e providências, se havia feito sentir por toda parte. Removeram-se autoridades. Colocaram-se os comandos militares nas mãos de soldados forjados, caldeados na intransigência aos ideais lusitanos.

Fidié, o valoroso comandante português, Governador das Armas do Piauí, escolhido a dedo, chegara a Oeiras, a 8 de agosto de 1822. Um mês antes do Grito do Ipiranga. Ciente e consciente de sua missão, estava pronto para jugular qualquer movimento sedicioso.

Antes de partir para a nossa terra, apresentara-se a 26 de abril daquele ano, ao Congresso de Lisboa, e ratificara os votos de obediência, e protestara “a mais firme e constante aderência à constituição e bem da causa da nação e que no desempenho de suas obrigações procuraria em tudo proceder conforme os seus benéficos sentimentos”. (6)

Fidié era um militar de reconhecido valor, respeitável, de conduta exemplar. Por isso o Congresso ouviu a declaração satisfeito e “resolveu mandar publicar (a mesma) no DIÁRIO DAS CORTES, e que isso mesmo fosse comunicar a Fidié um dos seus secretários”. (7)

Em Oeiras, também havia adeptos do separatismo. Prudentes, cautelosos, não se arriscavam a uma propaganda aberta. Não se expunham, que isso não convinha. Não era certamente o medo do sacrifício pessoal. Mas, isto sim, o que um sacrifício improdutivo, inglório. Morrer por uma causa, na hora exata, é ato de sublime abnegação. Imolar-se fora de tempo pode ser loucura.

A cinco de novembro, chega a Oeiras, um positivo, trazendo minuciosamente notícias do que ocorrera na Vila da Parnaíba. É bom dizer-se, que embora vagamente, já circulavam aqui, desde o dia 30 de outubro, rumores do ocorrido.

A cidade se assanha, esfervilha. Há providências improvisadas, movimentos nos quartéis. A Junta do Governo estremece, Fidié, a lei pretoriana em pessoa, vai ter oportunidade de por à prova a sua coragem e a sua tática guerreira. Acertam-se planos e o Comandante das Armas, garboso e marcial, à frente de numerosa tropa, poderosamente armada, se parte para Parnaíba. Vai castigar ali a audácia daqueles brasileiros sonhadores, que utopicamente, irrefletidamente, tiveram a coragem de aceitar a proclamação do Príncipe Regente.

No dia 13 de novembro os tambores sacodem a velha Oeiras. Cornetas clarinam no ar. Passos cadenciados. Vozes de comando. E o séqüito militar, brilhante como se fora pra uma parada em dia de festa cívica, deixa a cinta de morros que emolduram a nossa terra, e vai por aí, arrotando valentia, rumo ao extremo norte da Província.

A viagem é penosa. O sol castiga impiedoso, a coluna marciana. A seca que naquele ano martirizava os sertões, extenua a soldadesca. Estirões enormes sem encontrar uma pousada, sem água, sem sombra. Apenas, luz em excesso. O povo espavorido corre à aproximação de Fidié, cujo nome, ia adquirindo, até pelo exotismo da forma, fama terrorífica. A soldadesca ao chegar a uma casa, já deserta, faz absurdos, invade tudo, mata animais, carrega mantimentos…

No dia 25 de novembro chega Fidié a Campo Maior, onde se demora vários dias, refazendo a coluna das enormes fadigas. Dali escreve à Junta do Governo em Oeiras, e expede ordens ao Tenente Egídio da Costa Alvarenga, do 1º Regimento de Cavalaria, Comandante da 11ª Companhia, em Jeromenha, determinando que se transporte com suas forças para a Terra dos Carnaubais, a fim de ir reforçar o destacamento ali deixado sob o comendo do Te. Cel. José Antônio da Cunha Rabelo.

A sete de dezembro despacha parte da tropa rumo a Parnaíba. No dia seguinte, segue com o restante.

A marcha é monótona. Nada se lhe atravessa na frente. Nenhum inimigo a combater, nenhuma emboscada, nenhuma sortida a espantar-lhe a soldadesca. E assim penetra em Piracuruca aos 12 de dezembro. Ali recebe “os oferecimentos e as saudações de Freira Garção, que se mostrava ansioso por ver chegar o futuro herói das lendas e cantares piauienses…”

Prossegue sua derrota. No dia 18 entra na Vila rebelada. Tudo calmo, nenhuma oposição.

Um navio português, o Brigue Infante D. Miguel, enviado de São Luiz, e chegado a 6 de dezembro, e mais a notícia da aproximação de Fidié, haviam posto em fuga os patriotas parnaibanos, que se passaram para o Ceará. Mas, não foram uma retirada vergonhosa e sim estratégica. Na Terra da Luz continuariam o glorioso trabalho em prol da Independência. E entre os irmãos de ideal, aliciariam gente, formariam esquadrões, e desceriam à Terra de Mafrense para ajudar a expulsar o estrangeiro, para ajudar a consolidar aqui, a obra benemérita de D. Pedro, de que se haviam feito os arautos, nesta parte do território brasileiro.

Entretanto o Comandante português passeia a sua vitória pela Princesa do Igaraçu, e antes de aquartelar-se faz alto defronte a Igreja da Matriz. Deixou ali a tropa “e dirigiu-se à Câmara onde fez que os habitantes renovassem o juramento de fidelidade a el-rei. Ordenou em seguida um Te-Deum na Igreja de N. S. da Graça, exigindo ao mesmo tempo, manifestações de regozijo público, em que fosse victoriado o rei de Portugal”.

E aqui Fidié se nos apresenta mau, inquisitorial. Tripudiar sobre uma população inerme, vencida; obrigá-la a erguer vivas a uma entidade que há pouco varrera de seus corações; arrastar para o cativeiro espiritual, almas sedentas de liberdade; exigir festas públicas, e obrigar a isso, uma comunidade arrasada pelo trauma que lhe deixara a perda de um ideal violentamente arrasado; e o gesto de nenhuma nobreza, que se não devia afinar com a bravura de um chefe militar da estatura de Fidié. A quanto monta o ódio, a vaidade humana.

Sim, porque Fidié não era um comandante que se medisse pela bilota de muitos então existentes. Era um oficial bravo e culto.

Voltando a Portugal, depois que D. Pedro lhe restituiu a liberdade e lhe permitiu o regresso à Pátria, lá, na terra lusíada, continuou a servir, laborando pelo engrandecimento do pequeno mas heróico povo, que assombrou o mundo pelos feitos gloriosos, pelas luminosas páginas que escreveu na História da Humanidade.

Assim, em 1825 era nomeado primeiro Comandante do Colégio Militar, do qual passou a Diretor em 1837 e nesse cargo permaneceu até 1848. Escreveu obras, entre as quais a denominada: “Vária Fortuna de um Soldado Português”, em que descreve sua passagem pelo Piauí.

Fidié deixa Oeiras em novembro. Na sua ausência começou a ebulir o caldeirão das idéias separatistas. A sua presença teria, certamente, retardado a cousa. Não a teria impedido, porém.

No relógio do Tempo estava marcada a Hora Brasileira, e esta chegara; e não havia conter o fluxo patriótico que extravasava de todos os peitos. As baionetas seriam apenas uma frágil, passageira muralha. A avalancha que se engrossava, levaria tudo de roldão, como essas enxurradas violentas, que arrastam na sua correnteza, obras de arte seculares, consideradas indestrutíveis pela ancianidade e pela solidez.

Em Oeiras se trama e se confabula contra jugo português. Há intrigas, conversas, delações. As autoridades são precatadas.

No fim do ano de 1822, exatamente no dia 31 de dezembro, o vigário colado da Freguesia, o Padre Dr. José Joaquim Monteiro de Carvalho e Oliveira, que com olhos de lince, há muito notando certas manifestações contra o domínio português, apresentou uma representação à Junta Governamental em que pedia a convocação, para o dia seguinte, 1º de janeiro, de um conselho civil e militar, para tratar de assunto grave.

O Presidente da Junta, o Revmo. Padre Matias Pereira da Costa, se deu pressa de fazer a convocação e mandou avisar as pessoas mais importantes da cidade.

Às 7 horas da manhã do dia 1º de janeiro, chegavam a palácio, um a um, os convocados. Vieram sem saber o porque da convocação.

Apresentaram-se muitos. Citaremos apenas alguns, que a lista é grande. Assim, entre outros: o Dr. Francisco Zuzarte Mendes Barreto, Ouvidor Geral; o Dr. Bernardino José de Melo, Juiz de Fora; Antônio Martins de Abreu, Vereador mais velho; Inácio de Loiola Mendes, terceiro Vereador; Roque Gomes Ferreira, procurador da Câmara; Brigadeiro Manuel de Sousa Martins, Tesoureiro da Junta da Fazenda; Te. Cel. Joaquim de Sousa Martins, Comandante da Guarnição, encarregado da defesa da cidade; Capitão-mor João Nepomucano Castelo Branco, Comandante da Polícia; e outros, entre os quais, vários tenentes-coronéis, tenentes, alferes, etc., ao todo trinta e três, inclusive o autor da convocação, o Pe. Dr. José Joaquim Monteiro de Carvalho Oliveira.

Entre os presentes, alguns pertenciam ao bloco dos que tramavam a separação. Estavam ali apenas atendendo ao convite, mas sem conhecimento do que se ia tratar.

Reunidos, logo mandou o Presidente da Junta ler a representação, pedindo para a mesma a atenção de todos. A leitura do documento estarreceu. Um arrepio nervoso correu por sobre a assembléia. Vejamos o que disse um escritor piauiense:

“Burburinhou, desde logo, um sussurro assombrado pela sala e os implicados se viram descobertos. Uma ansiedade dolorosa, que o terror aumentava, cahiu sobre os circunstantes…” (8).

Convidado a declinar os nomes dos facciosos, pediu o vigário colado, que o absolvessem disso, escusando-se com a sua qualidade e com a função que exercia. Aceita a escusa, mandou a Junta que o Conselho deliberasse. Este concluiu pela prisão dos sediciosos, à qual se seguiria depois a devassa.

Mandou depois o Presidente que cada um fosse a uma sala separada, e ali escrevesse em uma cédula, os nomes dos apontados como sediciosos.

Apuradas as cédulas, colheu-se este resultado: “em 12 delas apareceu o nome de José de Sousa Coelho Farias; em 11, o de José Félix Barbosa; em 9, o de Lourenço de Araújo Barbosa, conhecido por “Garrincha”; em 6, o de João Barbosa de Freitas; em 5, o do Tenente Inácio Gomes Corrêa; em 2, o de João Lobo Fróes; em 1, o de Francisco Nunes de Sousa”.

A prisão dos denunciados foi logo deliberada. Entretanto, apesar da presteza da ação, apenas um foi encontrado: José de Sousa Coelho Farias, exatamente aquele cujo nome aparecera em 12 cédulas. Os mais tinham azulado.

O ano de 1823 começara assim. A Junta do Governo não se sentia segura. Algo lhe dava a entender que os filhos da terra, apenas aparentavam obedecer à Constituição portuguesa; no fundo eram todos separatistas. A cidade vivia em bulício
constante e a Junta em sessões permanentes.

Correios, de vários pontos, entravam na cidade e dela saíam, trazendo e levando ofícios, proclamações, ordens.

A idéia da separação se alastrava. Havia adeptos por toda parte. No seio da própria força surgiram simpatizantes. Assim é que Fidié, cedo notou, em Parnaíba, que o regimento de cavalaria simpatizava com a causa brasileira. E então fê-lo retornar a Oeiras.

Não raciocinou bem o Comandante das Armas. Debaixo de suas vistas, seria mais fácil o controle dos cavalarianos. Em Oeiras, certamente não. Com esse ato favorecia Fidié, indiretamente, à causa da emancipação.

Cada dia chegavam à Velhacap, noticias de adesões ao movimento emancipacionista. Aqui e ali a idéia crescia. Essas notícias iam despertando os tíbios, encorajando os decididos.

Entretanto, no Piauí, grande, numerosa era a população portuguesa. Discursando no Parlamento de Lisboa, pouquinhos dias antes do Grito do Ipiranga, precisamente no dia 2 de setembro, afirmava o Deputado, Padre Domingos da Conceição, que no Piauí, havia 70.000 portugueses. Isto era motivo bastante para sentir-se que a cousa não se resolveria aqui, a favor da causa brasileira, senão com lutas cruentas, com derramamento de sangue. Era preciso, pois, calma e tato.

ROCHA POMBO, emérito historiador patrício, no vol. IV, página 93, de sua magnífica História do Brasil, escreveu isto:

“Na província do Piauí, a tormenta estava preparada. Sente-se que ali agora não se respira: anseia-se”.

E um pouco mais adiante:

“A independência por ali não se há de fazer sem lutas porfiadas e sangrentas. É naquela parte do território que se acha mais condensado e mais forte o elemento português; é por isso mesmo que mais há de custar ali a vitória dos patriotas”. (9)

Os piauienses sabiam disso, mas não esmoreciam. Leonardo de Carvalho Castelo Branco, nascido em 1789, no termo de Parnaíba, desde cedo, ao lado do Dr. João Cândido de Deus e Silva e do Cel. Simplício Dias da Silva, levantara a bandeira da independência. Teve, como os outros, de fugir para o Ceará. E ali, continuou desassombrado, na pregação dos seus ideais. Encontrou eco naquele povo irmão. Aliciou gente, constituiu batalhões e regressou à sua terra, disposto a varrer o elemento estranho. Em 22 de janeiro conquista Piracuruca e proclama a independência.

Dali ruma para Campo Maior. À sua aproximação, a soldadesca portuguesa, ou porque se atemorizasse, ou porque simpatizasse com a nossa causa, declarou-se disposta a não combater. Os soldados, aos brados se dirigiram aos comandantes Te. Cel. José Antônio da Cunha Rabelo e Te. Egídio da Costa Alvarenga, declarando que não lutariam com os “carcundas”, apelido dado aos brasileiros. Ou evacuariam a vila, ou eles desertariam. Os chefes não tiveram outra opção, que senão desocupar a praça. Leonardo Castelo Branco parecia o homem fadado para expulsar de nossa terra o elemento intruso, indesejável. Campo Maior foi ocupada.

Leonardo era um homem de ação. No ardor dos seus 33 anos, – idade áurea, que tem assinalado tantos sulcos profundos na História, com que morreu Alexandra Magno e com que foi imoldo o CRISTO -, não tinha às vezes, a prudência que era de exigir-se.

Depois das vitórias de Piracuruca e Campo Maior, planejara invadir o Maranhão e ocupar a vila de São Bernardo, que sabia desfalcada de tropas, pois as existentes, tinham sido enviadas e engrossar o exército de Fidié.

Homem leal, supunha Leonardo, fidelidade nos outros. No momento em que distribuía uma proclamação escrita em Piracuruca, eis que se lhe apresenta o Capitão José Antônio Correia, e declarando-se simpático à causa brasileira, convida-o a passar à banda ocidental do Parnaíba. Leonardo aceita o convite. Ao chegar à localidade Repartição, prende aquele militar, o nosso herói. E temendo revide dos brasileiros, logo envia Leonardo, seguido por uma escolta de confiança, para São Luiz, onde, metido em ferros, ficou preso na fortaleza de Santo Antonio da Barra. O oficial encarregado de escoltá-lo, o Te. de Cavalaria João José Alves de Sousa, foi promovido a Capitão, por haver desempenhado bem a missão importante.

Um escritor dos acontecimentos, diz que ao chegar a São Luiz, foi Leonardo recebido por enorme massa. O povo curioso se aglomerou nas ruas para ver passar o herói piauiense.

Foi processado, tratado com enorme severidade, a tal ponto que chegou a correr nos sertões a notícia de sua morte, notícia que o Jornal o “Conciliador” se apressou em desmentir.

Remetido pra Lisboa, ali é recolhido à cadeia do Limoeiro, no dia 2 de junho de 1823.

Estava encerrada a brilhante, meteórica jornada cívica do nosso herói. No cárcere, não teve conhecimento da marcha vitoriosa dos ideais por que se batera destemeroso e altivo.

Fidié, em Parnaíba, recebe reforços e adestra o seu exército e se prepara para esmagar a patriotada, composta, em grande parte, de soldados bisonhos, sem preparo militar e sem armas. Enquanto isso, descem homens do Ceará. E acorrem do Piauí, de toda parte, em torrentes patrióticas.

O piauiense não se entusiasma, afirmou notável escritor coestaduano. Mas, naquele momento histórico, ninguém esteve indiferente. Todos se queriam bater por uma causa dita sagrada, porque era a causa do Brasil. Vejamos como o Dr. João Cândido, descreve o deliro daqueles dias:

“Os voluntários patriotas vinham à dezenas, arrastados pelos sentimentos, pela imitação, talvez. As próprias mulheres não ficavam indiferentes: mandavam os maridos, os filhos, os irmãos para a guerra e a fim de que levassem munições e armas, vendiam as jóias, si mais nada tinham que vender. A mulher piauiense, continua elle, mostrou nesse occasião, a grande fortaleza, o ânimo varonil de lendária heroínas. Foi inexcedível de amor pelo triumpho completo da Independência que abraçara, desde as primeiras proclamações. De todos os pontos do sertão chegavam diariamente a Oeiras e às vilas, grupos que vinham alistar-se nas fileiras da revolução. Que enthusiasmo e confiança no resultado! Que loucura no ardor com que vinham para a acção, alguns, muitos, sem armas, sem a possibilidade de adquiri-las, sem bem saber o que queriam e dispostos no entanto a se deixar trucidar pelos sabres lusitanos, desde que, assim estorvassem o passo ao seu exército!” (10)

Essa página, o que ela nos diz, é uma extraordinária grandiosidade. Lê-la, meditá-la, é convencer-se de que em nenhuma parte do Brasil se lutou mais, se sofreu, mais, houve mais heroísmo, nas lutas da Independência, que em terras do Piauí.

A alma piauiense, naqueles dias, se encheu de uma coragem sublime, de um sublime desamor pela vida, oferecendo-a, depositando-a na ara sagrada da Pátria, em holocausto à consecução do ideal de liberdade.

Os dias correm. A ansiedade em Oeiras cresce. Sabe-se que Crateús estava em armas. Outros pontos, também. A causa da emancipação, em ascensão triunfal, ia conquistando todo mundo.

A Junta do Governo percebe o perigo. Teme seja a cidade atacada. Escreve a Fidié. Solicita-lhe o seu retorno, sem demora, à Capital, ponto naturalmente visado, como cabeça da Província.

Afinal, chega para nós a hora H. Era preciso, porém, que aparecesse um homem decidido para tomar a frente do movimento. Certamente, havia muitos cidadãos influentes na cidade. Muitos de real prestígio. Entre esses, porém, qual o indicado?

O Brigadeiro Manuel de Sousa Martins foi o homem da ocasião. No dia 23 de janeiro convocou a sua casa, todos os conjurados. À noitinha, um a um, foram chegando. O grande quadrilátero que existia, ou ainda existe, no respeitável casarão, regurgitava de caboclos, vaqueiros, de elementos de bagunça, todos aprestados para o momento. Armas e munições, havia em quantidade, tudo a que se diz , subtraído ao governo, com a conivência de João da Silva Miranda, Escrivão da Junta da Fazenda.

Ali, concentraram planos, providências, tudo acertaram. O Brigadeiro Sousa Martins assumiu a responsabilidade no movimento e, em conseqüência, o comando das operações. Ao lado de seu irmão, o Te. Cel. Joaquim de Sousa Martins, e de conformidade com os outros oficiais presentes, determina que se deve fazer naquela histórica noite. Às duas horas da madrugada, quando a cidade dormia o calmo sono dos justos, saíram para a execução do plano concertado.

O Tenente Coronel Inácio Francisco de Araújo Costa, partiu para cercar a casa do Capitão de 1ª linha, Agostinho Pires e prendê-lo.

O Alferes José Martins de Sousa, incumbiu-se de prender o Alferes Damaso Pinto da Veiga, oficial da mesma tropa, e inimigo figadal dos brasileiros.

O Te. Cel. Manoel Pinheiro de Miranda Osório e o Major Manoel Clementino de Sousa Martins, foram encarregados de tomar a Casa da Pólvora e tê-la em segurança.

Outros oficiais foram colocados com sua gente nas proximidades do quartel. Ainda outros espalharam força pela cidade. Às quatro da madrugada estava tudo executado, e sem que tivesse havido o menor incidente!!!

O dia 24 de janeiro de 1823 despontou assim, debaixo desse aparato bélico. O povo não estranhou. Parece já esperava aquilo e saiu para a rua a fim de acompanhar o desenrolar dos acontecimentos.

Tanto que o Sol nasce, o Brigadeiro Manuel de Sousa Martins, em grande uniforme, cercado dos seus e à frente das tropas, ergue entusiásticas saudações à Independência e a S. Majestade Imperial, o Sr. D. Pedro I. O povo prorrompe em grandes aplausos, ovacionando a Independência e ao Príncipe. Foi um momento culminante na história de Oeiras e do Piauí. Estava selando o grande pacto de honra. A hora chegara. A hora que não era do Bri

Mais de Cultura